segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

assim ardemos devagar sobre os abetos





não basta nomear a hora
nem dizer o álibi onde as cidades envelhecem
há tantas horas em que nos une uma nostalgia
e o mesmo exílio  nos cabe  dentro dos olhos –

já recolhemos pela vida tantos destroços
e nunca antes  o  amor   foi maior
assim  nos surpreende  o caminho  e a boca à mercê  do sonho
nunca  a vontade foi  tão desatinada e urgente
decerto que haverá gente
capaz de supor  o fundo deste sentimento
os becos e ruelas por onde andamos
há tanto para argumentar  nesse silêncio  táctil do cigarro na boca
e eu esta tenacidade de me erguer  sobre as dunas de Rimbaud
e fazer delas o teu olhar como o único ritual da vida
estou aqui e  olho o mar mais a sul
e percebo que de espelhos pouco sabia
o amor tem esta vertiginosa paciência
tem esta loucura por dentro da carne num lugar quase inacessível
e distintos são os contornos das nossas mãos
os poros  no torpor da boca
aqui o tempo nos redime de toda a solidão
e tão poucos são os que se abraçam como nós -
assim ardemos devagar sobre os abetos

sei de tantas coisas que não vejo
desse equilíbrio do mundo que em nós  faz a sede
e nunca ninguém  apaga este lume
este sabor a damasco  sobre a cintura 
este espanto que nos amarra  à vertigem
à calma de atravessar todo o tempo em nós
à lenta claridade onde amamos este secreto desígnio


maria andersen

2 comentários:

  1. Lindo poema, Maria. Adorei este sabor a poesia. Parabéns.
    Nota: parece que somos conterrâneas. Beijos

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  2. «assim ardemos» com os olhos cheios de terra e de mar, de ruelas e horas melancólicas, sombras e amores.
    gostei muito do poema.
    beijo,
    Mª Manuel

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