Em cada um de nós há dois seres. Os dois coexistem em nós, o do estado prosaico e o do estado poético. Ambos constituem o que somos.
domingo, 14 de outubro de 2012
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
os pés crescem para ruas
jogo capim com os olhos
enquanto a noite se deita na voz
onde os pés descalços crescem para ruas
na língua solar das borboletas
maria andersen
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
durmo no dorso das rosas
voo parada na distância de todos os princípios
pronuncio bicicletas carregadas de tempo
durmo no dorso das rosas
pego a lucidez aos ombros e trago-a ao poema
onde a teologia é plebe
maria andersen
pronuncio bicicletas carregadas de tempo
durmo no dorso das rosas
pego a lucidez aos ombros e trago-a ao poema
onde a teologia é plebe
maria andersen
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
madruga-me a sede
ás vezes madruga-me a sede
subo menina à cama
enquanto a tua voz canta
trago da tua pele sinais
pássaros em gomos declarando sol
acabou o café
o frio regressa ao cair das horas
entardece
as palavras são crepúsculo
à hora em que toca o sino
guardamos o som da água
na homilia do cinema
o pátio é de pedra
onde a lua nos consola a boca
o mel renasce-me nos poros
onde a grande tarefa é respirar desertos
adornados de usuras onde só tu me sabes
" a noite outrora não tinha céu
o dia não tinha chão"
agora
o amor é o catre das artérias
palpitando no sexo
samba em que me cedo
cravo na terra mordendo cego
instante a gemer entre paredes
aqui - violo no orgasmo a paz
roubo o silêncio das noites
com os olhos abertos para dentro
o alfabeto dos homens na água das mulheres
o limo a contornar a nuca
a cidade no bico dos seios embalsamada
o verão na luxuria dos livros
e o tempo a fio no que dizes
eu
digo-te coisas naturais
tu fazes escapulir peixes em cardumes
na rua dobrada no vapor da boca
onde eu chego
mesmo quando parto
pintura e poema maria andersen
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
a noite é uma demanda de sombra
uma concha dentro das mãos
como um acidente democrático
ao lado da vigília
a boca - o espanto - a esmeralda
o abismo do pensamento
a criar orientes junto ao teu rosto
onde a manhã "corre como um mendigo
sobre um cais de mármore"
na filigrana da chuva eu danço
com olhos enormes onde o amor é proa
candeia bordada de girassóis por dentro da carne
uma goiaba - delírio na mudez do verbo
a voz - toda nascimentos
pintura e poema de maria andersen
domingo, 23 de setembro de 2012

teço degraus na chuva -
o tecto é verde
o teu sono um campo de goivos
onde danço
grito-me por dentro
onde os ouvidos escutam
desenhei-te na parede junto aos colares
onde o quarto é imenso
pela noite onde o corpo é quartzo
a janela céu pintado na pupila
onde o relâmpago é "rosa de água"
pintura e poema de maria andersen
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
? ser ou não ser ?
(obra - Júlio Pomar)
são tantos os que não sabem
são tantos os que não bebem
mãos de rotundas vazias
olhos dentro das fronteiras
tantas as cores onde o sonho a medo se esbate
há a queda, o riso
há a hora, o tempo desmedido
há o sol a pique
a rua sem saída
há os livros vagos entre os dedos
as palavras de que não se sabe o sentido
há as horas
os gestos
as vozes
uma longa avenida de
distracções que rasgam o céu
há bocejos
cansaço
há fome
há partidas
um mundo dentro do nada
há o espanto
uns olhos que me ficam por dentro
e tu que nem me sabes
tão há porta de ti
há a guarda
a linha
o horizonte
há a cela
o ser
a vontade
a piedade
há o preto o pranto o jogo
até onde a poesia desce
há a silva a selva
os papeis
a conversa torpe da ânsia
o zumbido que reclama
o contracto do que se ignora
o porto sem abrigo que ejacula
abismos entre os olhos
corrupção - as senhas furadas nos risos
meias luas frias - exactamente ao meio dia
desdobráveis oxigenados
informações nas esquinas
joanas nos capitéis do arame
avé marias nas bocas dos mudos
anéis largos a travar as línguas
surdez a quanto me obrigas
moral a que te prendes
na ortodoxia das preces sem pressa
faca onde me corto
com holofotes no garfo
catedral do desespero
telhas de vidro sujas e sem barcos a assalto
engravatados negros de alcatrão
a tresandar a podridão
no avesso de mim
um parque esgotado de babilónias
e mil agulhas a coser buracos
no nailon dos dias
sou proletária neste campo onde me semeio
e rego com anti leis
os pedaços em que me reparto
a morte saiu ao corpo
a mente tece o jazigo
onde se dorme tão perto da vida
aqui ensaio o enigma
?"ser ou não ser" ?
( poema - maria andersen)
sexta-feira, 27 de julho de 2012
voragem a boca dentro da rosa
é o vidro meu amor
é a toalha
é o recorte do jornal
a noticia que ninguém lê
é a cadeira
a corda tensa
o chocolate negro
o nó que a tua boca aperta
é a jarra no lugar vazio
é o pão que fumega
é o sol da tarde ferindo
é o touro manuscrito
é o espectro o alicerce
é o relógio e o cordeiro
é o amor e o limão no mostrador
é a balança e a fé
é o tempo é o mapa
é o riso e a pele
é o mar é a noite
o sentido de dentro
a labareda nos membros
a boca dentro da rosa
a chuva a cair toda por dentro
meu amor
maria andersen
sábado, 14 de julho de 2012
correm por aí noticias
onde as mãos são corpos
o tacto olhos
podiam soletrar dicionários
à boca das cerejas
é sábado e o vento dança nas folhas
a inquisição está nos verbos
onde desce a maré
estou no quarto crescente de mim a domar renas nos pensamentos
sempre quis andar de carrocel
junto ao rio onde as canoas cortam as águas
estou descalça
à proa da viagem
e tenho discípulos à porta
fico no verde entre os teus olhos
o bom samaritano caí-me nas vogais
dobrando segredos
nos cabelos dos poetas
o caminho nunca se acaba de abrir junto à fronteira
a garganta é rosa aberta sobre a música
onde te abraço
se os anjos fossem menos breves
podiam estatelar-se junto às estrelas a ver literatura
a esta hora nascem-me na boca romãs
as perdizes estão todas à janela
do sonho a quebrar aís
aqui tudo me diz sinos
tudo me diz sopro
tudo me diz profano
tudo me diz tesoura
na "ricotta"
e enfim:
tudo me é descanso
maria andersen
sexta-feira, 13 de julho de 2012
aqui descem as pálpebras como jangadas
se aqui descem as pálpebras como jangadas
as aves descem às horas pelas janelas
as bicicletas passeiam pelas águas onde a língua é ferocidade do mar
onde se apregoam todas as danças
o tacto no sol da clave
o guiso no riso da criança
o gato enrolado na sua estranha distracção
a porta do livro por onde vou
a lua como bolha de ar dentro dos amantes
a madrepérola esquecida na calçada
as romãs na quinta dinastia
o moinho onde as rosas nascem
a terra como veia aberta
a fuligem das rodas entre os dedos
as silvas na orla do vento
o atestado de decadência nas laranjas
a droga das palavras entre os lábios
os pensamentos como novelo
no deserto cheio de emaranhados
a pulga da silaba no objecto do desejo
a lupa à vista de nada
domingo, 1 de julho de 2012
são estas horas exactas
estou no vértice do limiar só para poder ver)(te
as montanhas olham-me mudas
como os índios habitam os dias até ao fundo
atravessando uma escada sagrada e geométrica
enquanto as horas sobem à encarnação da luz
tão súbitas no sol que há em ti
assim perpassam o templo como uma esfinge
a mãe sempre me ignorou de cores
pariu um desenho que lhe bateu à porta
na conjugação dos elementos
formas quebradas de um só golpe
que nos fazem cantar os verbos mais finitos
" a gramática infame do medo"
a espuma e o riso dos jogos de amor
"os filhos da madrugada"
tudo se deita não para dormir nem para morrer
mas para se fazer poesia noutro ser
eu deito-me não para desistir mas para levantar-me
num canto erecto com a ternura possessa de abismos
e a entrega absoluta henry miller
na loucura acesa em que me crio
nesta caverna de lençóis habitados de pássaros
com lições desaprendidas - como unicórnios
a beber água nos canos da pistola
? que sonhos nos mudam de lugar
há murmurios que me falam onde te procuro
eu amo-te
no obliquo pássaro do ombro
alcatrão talvez em que rasgamos coisas antigas
braceletes caídas no choro do rio
a roubar o fogo às manhãs em que regressamos
com olhos marinheiros
o poema pode ser isto
um íntimo vento que nos passa por dentro a lançar pedras
assim me incompleto de ser o que não sou
aqui
quinta-feira, 21 de junho de 2012
dou música aos cantos
partir por entre as horas a caminho de qualquer coisa e
ficar
há uma legenda ao canto, um sono casual, uma boca fechada e
divagando à meia folha
em que escrevo – se olho vejo à janela o que existe junto ao
lume
assim eu dou música aos cantos e tu danças na estrada branca
sobre uma batalha de gestos
os dias nunca foram iguais
- criamos neles tambores febris,
parques onde os plátanos
se afundam até às
águas e outras pequenas distrações quotidianas -
andas descalço nas palavras neste meio tempo das letras e
tens nas mãos labirintos que te cabem nos olhos e entre nós dá-se a mesma
intranquilidade bíblica.
quarta-feira, 20 de junho de 2012
tudo nos é caro e raro
tudo é o que dizes – divisão
uma divisão em que se somam pés
uma árvore que cresce para dentro do teu som
uma mão que te adormece
Ariadne indica-te o rumo mas não vês
a rosa desfolha-se no caminho
o perfume colhe-se na chuva
que adormece nas veias
tudo nos é caro e raro
e de tudo somos
discípulos
- ladra um cão lá fora como plateia sonora
tens dedos de prata abismados nas cordas
o vinho na garganta a dar-te gás
e a estreita dimensão que por dentro te alarga
vem de outros tempos tudo o que és
tens “tchi-cum” na harmonia
- eu sorvo-me no alperce que como
e raia-me de repente o sol nos olhos
mas tu não vês
estou na ante – entrada de mim
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Uma semente riso cantando anos à janela
meticulosamente o perfume da matemática
a bicicleta linear
o sapato no anel da tarde
o móvel nas tuas mãos
e um frio finito
um olhar sem intervalos
um retrato polindo o ar
um caracol poeta
um fósforo à mesa
um buraco na sombra
uma boca na fuga
uma limalha no sono
uma manta no porão
um riso coberto de estima
o chão trabalhando a vida
uma capa suada
um sabor tecendo o nome
um gesto dizendo a cor
os punhos pousando nas letras
um escriba no leilão
uma ilusão no trampolim
uma biblioteca surda
um pacote de mistérios ao fim da tarde
um lucro para o lixo
um desvario epigramático
uma arca a dobrar camisas
uma cabeça descart-áve( l )
uma rosa em deleite
luz à boca da fome
um tijolo na paz dos contos
um zumbido de bicho azul
uma semente de riso
cantando anos à janela
e curvas no oceano
pátria de cobiças extensas como fios
uma esmeralda na preguiça
uma lua a meio bordo
uma rua concertada
uma mão selva cantada
uma imagem distraída
um filme da minha vida
segunda-feira, 21 de maio de 2012
qualquer coisa de tempo pousado em mim
gatos folhas deitados no dia
tardes abertas para dentro
ópio do tempo
no esmero das cidades invadidas
bancos de solidão à sombra
chuva de humanidade a remendar palavras
noite que o poema aquece entre as mãos
olhos guardados na fimbria de uma qualquer flor
maria andersen
tardes abertas para dentro
ópio do tempo
no esmero das cidades invadidas
bancos de solidão à sombra
chuva de humanidade a remendar palavras
noite que o poema aquece entre as mãos
olhos guardados na fimbria de uma qualquer flor
maria andersen
domingo, 20 de maio de 2012
atravesso vozes como ruas

tenho vinho de rosas à porta
damascos maduros
quase gente
nuvens discípulas como casas
no fundo dos meus olhos
atravesso vozes como ruas
palavras como bosques inóspitos
e sentidos que invoco grávidos
como mães
de crianças ao colo
maria andersen
sábado, 31 de março de 2012
OS AMANTES
Tradução de José Jeronymo Rivera
" Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles se tomam as mãos: algo fala
entre seus dedos, línguas doces
lambem a úmida palma, correm pelas falanges,
e acima a noite está cheia de olhos.
São os amantes, sua ilha flutua à deriva
rumo a mortes na relva, rumo a portos
que se abrem nos lençóis.
Tudo se desordena por entre eles,
tudo encontra seu signo escamoteado;
porém eles nem mesmo sabem
que enquanto rodam em sua amarga arena
há uma pausa na criação do nada
o tigre é um jardim que brinca.
Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes cansados se fitam e se tocam
uma vez mais antes de haurir o dia.
Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E só então,
quando estão mortos, quando estão vestidos,
é que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os seus deveres quotidianos."
Julio Cortázar
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