agora
agora que as palavras são ruas invertebradas
lugares domesticados
agora que o exílio nos envolve os pés
agora que o vício nos sabe a náusea
agora que o dia se acaba
agora que o crepúsculo é vidro
agora que o medo é lirismo
que o corpo é distância
que fome é mar que o cais é geometria
agora que o prazo não se prorroga
que a lama é gelo que o riso é fogo que a boca é cidade
agora que os pássaros desertam
que as crianças já não brincam que a razão não existe
agora que o orgasmo não se repete que a hora é uma passagem
que o homem está de coronha em riste
agora que o que se diz por aí é inútil
que as estatuas são ambulantes que as vozes são multidão
agora que a memória nos traí que a lâmpada se apaga
que o acaso é nocturno
agora que os jacarandás estão maduros
agora que a mesa foi posta
agora
que a saliva é pretexto que as mãos são a história
que a pólvora rebenta em nós
agora que eu sou tempestade que sou tempo e solidão
agora que as nascentes secam que eu te invoco que a fuga é de Bach
agora que o litoral é aqui agora que eu sou selva inóspita
que o corpo é deserto que a sede é terra por habitar
agora que o vértice é o beijo que os dias são liturgia
que os poemas são as sobras de luz que nos restam
agora
que o ritos são veleidades
que a pele é mapa que a pátria é continente que o discurso é estilhaço
agora que a pedra é limiar que a hora é deriva que o nascer é foz
agora que o ardor é voz que a rua é calada que o sino é sentido
agora que a folha é carne que a parede é pão
que a penumbra é mel que teu olhar é menino
agora que o desejo é vidro moído que as lágrimas são lago
agora que a estrada se aparta e perfila
agora
é este o alto risco
maria andersen
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