segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

o tempo




Ah se eu pudesse descer
 palavra por palavra até ao teu coração mas a cada passo paro para sentir a pausa do pensamento – nunca sabemos de que matéria é feito o olhar
dentro de nós não há paredes
apenas o verbo essencial
o deslumbramento…
& eu, escrevo por conta própria
este canto imperfeito
& lanço poemas como quem atira sementes –
à terra: não à minha, mas à tua
& é assim que as palavras ficam mendigas
& eu tomo-as pelo que são: indefesas como eu
outras vezes um gérmen de plenitude
eu podia dar-te este sopro vital
tão vital como o sopro que te deu Deus ao criar-te
mas como posso ser agasalho
se as vezes eu própria tenho frio
ah, trago a minha voz sedenta de te nomear
mas da mesma forma inocente
como se come um fruto
contigo no meu sentido
sentindo a tua ausência
as palavras nascem como uma criança
com as mesmas dores e a mesma ânsia
em espasmos de verbos
sobre a pele e os músculos –
os da alma
& gemidos contidos de dor & alegria
nasce a palavra como nasce a vida
& o dia ilumina-se de grande e precioso
não forces nunca a palavra
não lhe dês o peso de outro sentido que não este
deixa-o crescer assim fulgente como a aurora
deixa que aconteça assim como um lume leve
donde vem a força do clarão
que há-de queimar até ao fim a nossa solidão
a noite leva-me pela mão
até ao interior das horas – das tuas e das minhas
e como um rio o meu coração desce
ao leito do pensamento
& a água, a intima água
degrau a degrau sobe ao páramo da luz
onde as palavras nos doem de tão fundas
O poema é o repto eterno do instante
entrando pela alma
noite adiante interceptada e solta de madrugada
e fica em mim a duvida se cativo ou sou cativa
ah o tempo
é como uma lamina que passa e corta
& sobre o rosto deixa lavradas
tantas perguntas sem respostas
tantas feridas juntas a doer

a vida é sempre um livro inacabado
de tão inteira ser
de tão exposta à volúpia da mão e do seu fogo
onde o verbo arde tão dentro –
lugar de pássaros
e flores e gente –
eu quero envelhecer assim como uma vidente
que sabe onde moram os tesouros
- assim nos toca a vida
de pura e transparente
como a grande madrugada prometida
onde não há nenhum vestígio de impureza
onde eu percorro o tempo apaixonadamente

3 comentários:

  1. O olhar é sempre uma transparência, Maria. Como água cristalina. como tu. cristalina também!

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  2. é quase nada ou um pouco dizer de teu poema... Tempo, emtão sem que se queira propriamente fragmenta-lo, partimentar... para dizer dele com ele mesmo. Maria estonteante tua poesia...

    ... Ah se eu pudesse descer
    palavra por palavra até ao teu coração mas a cada passo paro para sentir a pausa do pensamento – nunca sabemos de que matéria é feito o olhar
    dentro de nós não há paredes
    apenas o verbo essencial
    o deslumbramento…
    & eu, escrevo por conta própria
    este canto imperfeito
    & lanço poemas como quem atira sementes –
    à terra: não à minha, mas à tua
    & é assim que as palavras ficam mendigas
    & eu tomo-as pelo que são: indefesas como eu

    eu podia dar-te este sopro vital

    mas como posso ser agasalho
    se as vezes eu própria tenho frio

    ah, trago a minha voz sedenta de te nomear
    mas da mesma forma inocente
    como se come um fruto
    contigo no meu sentido
    sentindo a tua ausência
    as palavras nascem como uma criança
    com as mesmas dores e a mesma ânsia
    em espasmos de verbos

    não forces nunca a palavra
    não lhe dês o peso de outro sentido que não este
    deixa-o crescer assim fulgente como a aurora
    deixa que aconteça assim como um lume leve

    O poema é o repto eterno do instante
    entrando pela alma

    e fica em mim a duvida se cativo ou sou cativa
    ah o tempo
    é como uma lamina que passa e corta

    tantas perguntas sem respostas
    tantas feridas juntas a doer

    a vida é sempre um livro inacabado
    de tão inteira ser
    de tão exposta à volúpia da mão e do seu fogo
    onde o verbo arde tão dentro –
    lugar de pássaros
    e flores e gente –
    eu quero envelhecer assim como uma vidente
    que sabe onde moram os tesouros
    - assim nos toca a vida
    de pura e transparente
    como a grande madrugada prometida
    onde não há nenhum vestígio de impureza
    onde eu percorro o tempo apaixonadamente

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