quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Princípio dos meus dias onde ainda somos clandestinos




Estou   sentada diante do dia  a norte do teu sangue
a olhar o escantilhão  do tempo                         mapa insondável
rigorosa forma   sobre a pele   onde o amor se pronuncia
onde se entranha  o cheiro das maças             & toda a  infância
& penso   na inutilidade  de pensar           lugar onde te anuncias
 a olhar a rua que começa em ti                a ouvir o requiem de Mozart

lugar onde me invento                  & onde estou?,           

a boca é sempre  o primeiro instrumento do espanto
o olhar                o alvoroço inteiro                      o fruto inviolado

& o teu silêncio  é a palavra que não escrevo

subsolo em que me debruço                    os teus olhos iminentes

ah       pudesse eu não ter limites
e ser como madrugada                   sabor  intenso
a transformar-me                         na forma justa  do corpo
deserto  tão longínquo                  a saudade         & a tua voz

onde perigosamente me deito como se fosse o regresso     
 apelo do tempo interminável                na vigília das palavras

oh muro da desordem                   o pensamento
que nos pastoreia no fundo  exausto da espera
erosão do corpo  a que a lei nos  ata
vírus lento da humanidade    & destes versos por semear
amo por isso a primavera onde tudo se refaz
agora estás & não estás nos meus dias 
& de noite mudas tudo de lugar

ai espada desta hora como uma sombra
na  arquitectura  perfeita  & sensível dos sentidos
para onde a alma emigra              dor de   Édipo          e minha dor
antiquíssima  flauta                  o desassossego cúmplice  do  verbo

& nós
princípio dos  meus dias onde ainda somos clandestinos

                                                     

                                                                     Pintura e Poema de Maria Andersen

3 comentários:

  1. Lindíssimo! Vejo, leio e sinto a sua Arte. Feliz por a ter descoberto no Face e de ter chegado aqui de onde parece partir todos os dias à descoberta. A este cais onde curiosamente regressará sempre para nos mostrar o que encontrou. Que viva Maria!

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  2. Obrigada a Ambos..
    é bravíssimo de tão maravilhoso, quando a arte une assim tantos pensamentos e alma...que se fazem uma só força, pelo mesmo sentido…a alma e a humanidade , pela arte
    o mais forte em nós é sempre esta voz mineral que vem dos remotos séculos…

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